Think Pong: A Esquerda de Alegre

Ainda que, afinal, pareça que a montanha pariu um rato (e por muito que Manuel Alegre se reclame um político diferente, também é adepto da máxima “a culpa é dos jornalistas”), o discurso do deputado-poeta no “Fórum das Esquerdas” de domingo teve o condão de por o país a discutir política como há muito não se via.

Em vez de gaffes (ou ironias), “causas fracturantes” ou questões práticas – importantes em política, não o nego – a afirmação de uma esquerda de poder e com poder tem o mérito de nos pôr a falar de ideologias.

E é no campo ideológico que pode estar o principal contributo de um novo partido de Esquerda, ou pelo menos da hipótese de o criarmos. Seria uma boa oportunidade para definirmos o campo ideológico em Portugal, que nasceu torto e nunca se endireitou.

Um país em que o partido social-democrata junta conservadores e liberais; em que o partido socialista é uma espécie de “tudo ao molho e fé em deus” e o PP uma negação ideológica, ter um partido fiel a linhas ideológicas e programáticas podia ter um efeito de contágio desejável.

Quanto ao caso em específico: os ziguezagues de Alegre não abonam em seu favor. O deputado faz política com o coração (o que já é raro) e é o lado passional que o impede de cortar com o PS. Mas dizer que vai a votos, para dois dias depois voltar a recuar mostra como Alegre não é tão diferente como acreditamos.

Por isso, ainda que volta e meia se lance o alarme, os socialistas podem ficar descansados que não haverá um partido de Alegre. O que não quer dizer que não venha a surgir um partido ou movimento “alegrista”, herdeiro de um posicionamento verdadeiramente socialistas e que se assuma como uma força a ter em conta na definição do mapa político nacional. E aí não sei se Sócrates poderá dormir descansado.

Este Think Pong “discos-pedidos” encerra o ano de discussões no Colina Sagrada e Abertamente Falando. As últimas duas edições do ano terão um formato especial, alargado, como uma espécie de balanço do ano 2008.

3 reacções:

Hugo Monteiro | 01:58

Samuel, o PCP e o BE são consideravelmente "ideológicos", seja lá o que isso for.

O país, a nível de partidos, ideologias e derivados, tem falta de duas coisas:

Um partido de Esquerda sério e a sério; e um partido de Direita que não se pareça com uma anedota do Dica da Semana. Noves fora, era coisa para dar frutos.

"Este Think Pong “discos-pedidos” encerra o ano de discussões no Colina Sagrada e Abertamente Falando."

Sois uns amores xD

NFC | 11:30

Caro Samuel:

Como saberás, o partido socialista português foi sempre um partido de matriz social democrata, ou, se quiseres, o representante do "socialismo democrático".

Esteve em momentos cruciais da vida política e social portuguesa, como a transição para a democracia, a adesão à então Comunidade Económica Europeia e o recente Tratado de Lisboa.

O Partido Socialista (PS) foi responsável pelos maiores avanços sociais deste país, que coincidiram com alturas em que exerceu a governação. Em 35 anos muita coisa mudou, a sociedade desenvolveu-se e, com ela, as dinâmicas políticas, culturais e de intervenção pública. O PS simplesmente acompanhou essas mudanças, sendo hoje um partido reformista, moderno, com as questões sociais e humanas no centro das suas preocupações, muito por culpa do seu actual líder, o melhor desde Mário Soares.

Quanto a Manuel Alegre? Para além do legado da resistência e da sua fantástica prosa e não só poesia? Tem vivido sempre à sombra de um PS para o qual nada contribui. Não prescinde do seu lugar de deputado e afronta (como a nenhum outro se permite) constantemente o partido que o acolhe no parlamento. Usa e abusa da chantagem política interna à boa maneira "insular-jardinista". Juntar-se ao Bloco de Esquerda é simplesmente o maior tiro no pé que um homem que se diz socialista podia cometer, porque o socialismo tem valores intrínsecos que não se coadunam de modo algum com a amálgama de "ideologias" contorcidas que o Bloco de Esquerda alberga.

É por isso que o PS teve maioria absoluta e é por isso que a renovará. Porque decide e não se limita a "aparecer", porque concorre para os interesses nacionais e não para os seus próprios interesses ou interesses presidenciais. Finalizando... por mim, que o abominei enquanto Primeiro-Ministro, ficava feliz que Sócrates apoiasse a recandidatura do actual Presidente da República.

Um abraço socialista,

Nuno Fraga Coelho

Samuel Silva | 14:35

Caro Hugo,

O PCP ficou de fora da minha análise porque, se há parido que em Portugal definiu muito bem o seu espaço político e a sua orientação ideológica, foi o Comunista. Por muito que isso afaste algum do potencial eleitorado.

O BE é um caso diferente. Sabemos bem qual é o seu posicionamento no arco parlamentar, mas consistência ideológica é mais dificil de encontrar.

Quanto aos restantes partidos, assistimos a uma luta para ver quem está mais ao centro, de uma forma de tal forma "violenta" nos últimos tempos que, quem viesse de fora, teria dificuldade em organizá-los no Parlamento.

Concordo, de resto, inteiramente contigo. Falta a Portugal um partido de Esquerda e outro de Direita verdadeiramente assumidos. Foi isso que deixei implícito no meu texto.

Caro Nuno,

Não ponho em causa o papel fundamental do PS na construção da democracia portuguesa. Mas o problema começa exactamente a partir do momento em que o PS é, ele sim, o verdadeiro partido social-democrata português. Passa a ser impossível assumir-se abertamente como parte integrante dessa família política quando há outro partido que utiliza esse nome.

O que me parece, no entanto, é que os anos de Sócrates no PS tendem a posicionar o partido um pouco mais ao centro do que o que determina a sua matriz social-democrata. E aí reside a necessidade que defendo de definir claramente o nosso espectro político.

Dizer que Sócrates é o melhor desde Soares não é grande elogio, sabendo-se que pelo meio houve Constâncio e Sampaio. Mas ironias à parte, e por muito que o PS mostre, por oposição ao último governo do PSD, uma acção em termos sociais muito mais forte e determinante para o bem estar dos portugueses, alguns exemplo como o do encerramento de serviços públicos ou a revisão do código do trabalho
dão uma visão do PS "centrista" capaz de agradar aos patrões antes de ter em conta as questões que afectam os trabalhadores.

Mesmo o actual plano de combate à crise dirigiu-se, em primeira instância, aos bancos, à indústria automóvel, e só depois à economia real, que afecta o grosso dos portugueses.

Quanto a Alegre, discordo que não tenha contribuido para o PS. Foi um elemento fundamental de velhas batalhas, antes e depois da revolução. Mas concordo: Alegre exagera na forma como afronta o partido. Se discorda assim tanto com o PS devia pura e simplesmente sair, concordo. Tem feito chantagem e uns avanços e recuos que ninguém entende, mesmo entre quem o apoia.
Isso está a minar-lhe a coerência. E se o PS o deixar desgastar é a melhor forma de permitir a erosão do milhão de votos, que hoje já não valem nada.

Não lhe nego é o mérito de estar a contribuir para um necessário debate à esquerda que tem, quanto mais não seja, o condão de lembrar ao governo a "família" de onde provém.