CEC2012: Cultura e cidadania

A idiossincrasia vimaranense tem traços únicos. Um deles é o jeito apaixonado, determinado e generoso com que as suas gentes assumem causas, projectos e desafios colectivos. A nossa memória e o nosso imaginário estão povoados de momentos, envolvimento e participação da comunidade: a fundação da nacionalidade, lá nos confins dos séculos, a resistência aos invasores, em diferentes momentos de crise, a rebelião contra os franceses, há precisamente dois séculos, a primeira Exposição Industrial, em 1884, a luta pela dignidade concelhia em 1885 e 1886, a reconstrução da praça de touros em 1947, alguns momentos relacionados com feitos futebolísticos, a reivindicação da Universidade para Guimarães, a requalificação do Centro Histórico. Agora mesmo, a enérgica discussão pública sobre a intervenção que se planeia para o coração da cidade entronca nesta tradição.

A Capital Europeia da Cultura, que nos chega à porta mais depressa do que o que pode parecer, tem tudo para ser um desses momentos de participação cívica que marcam a história de Guimarães. Para lá do acumulado de espectáculos luzentes e memoráveis que integrarão o seu programa ou dos novos equipamentos culturais de que a cidade passará a usufruir, a CEC2012 terá que ser assumida como um grande empreendimento colectivo, no qual os cidadãos se revejam como sendo obra sua. O sucesso daquele acontecimento passará, necessariamente, por ganhar os vimaranenses para a empresa. Porque é assim que se fazem as coisas em Guimarães.

«Para tanto não bastará que a programação do acontecimento se resuma ao recurso a
cardápios de pronto-a-servir, porventura com muito impacto e ressonância, mas
que não ultrapassam o estreito limiar do acontecimento efémero. Para que valha a
pena o esforço que temos pela frente, é preciso que o trabalho desenvolvido
consolide raízes e abra caminhos que se projectem em direcção ao futuro.»


O desafio de 2012 apresenta-se como uma oportunidade única para que Guimarães se afirme como uma nova centralidade cultural de dimensão nacional e regional. Para que seja uma aposta ganha, é preciso trabalhar para que Guimarães se projecte para fora de portas como oferta cultural relevante e ganhe massa crítica no âmbito das práticas de criação, organização, divulgação e fruição de cultura. Para tanto não bastará que a programação do acontecimento se resuma ao recurso a cardápios de pronto-a-servir, porventura com muito impacto e ressonância, mas que não ultrapassam o estreito limiar do acontecimento efémero. Para que valha a pena o esforço que temos pela frente, é preciso que o trabalho desenvolvido consolide raízes e abra caminhos que se projectem em direcção ao futuro. Para que, em chegando a 1 de Janeiro de 2013, no momento de desmontar a tenda, não se diga que a festa foi bonita, mas acabou.

Não estou seguro, bem pelo contrário, de que Guimarães tenha hoje “músculo” bastante para enfrentar um desafio com a dimensão e as exigências daquele que se lhe apresenta pela frente. Terá que o adquirir, potenciando os recursos existentes, incluindo os das associações culturais, criando e treinando rotinas, adquirindo competências organizativas, aperfeiçoando o saber-fazer já existente, estimulando a emergência de novos projectos, enraizando hábitos, estimulando gostos, formando públicos. O desafio é complexo, mas estimulante. E será ganho porque, se ainda falta estrutura e dimensão, não falta o talento.

Se atentarmos no que tem sido dito e escrito entre nós sobre a cultura, a que se faz e a que se terá que fazer tendo em vista 2012, notaremos que, em regra, quase se reduzem as questões culturais às manifestações das artes performativas. Ora, sendo embora incontornáveis essas manifestações, que preencherão boa parte do programa da CEC, o acto cultural não se resume ao espectáculo. Há que ir um pouco além do efémero, apostando na produção de conhecimento, seja ele literário, seja ele científico. Acontecendo em Guimarães, será inevitável a associação da CEC2012 à identidade histórica, à procura das raízes, à valorização da memória, à revitalização da cultural tradicional, tanto na dimensão material, como na imaterial.
«Em regra, quase se reduzem as questões culturais às
manifestações das artes performativas. Ora, sendo embora incontornáveis essas
manifestações, que preencherão boa parte do programa da CEC, o acto cultural não
se resume ao espectáculo. Há que ir um pouco além do efémero, apostando na
produção de conhecimento, seja ele literário, seja ele científico.»

Com 2012 no horizonte, Guimarães tudo terá a ganhar se se for afirmando, paulatinamente, como um centro de produção e de divulgação de cultura, lançando, desde já, projectos de investigação, de reflexão e de divulgação que se debrucem sobre diferentes temáticas de raiz cultural, da antropologia à arqueologia, da história à literatura, da filosofia às artes, da fotografia ao cinema, do teatro à dança, etc.

Vejo Guimarães em 2012, à imagem de outras Capitais Europeias da Cultura, como uma cidade que programará cultura com os olhos postos na Europa, centrada nos seus cidadãos, principais obreiros e destinatários dessa programação, prosseguindo uma ideia muito antiga entre nós, a da elevação das gentes através da cultura e do conhecimento. Para aí chegar, ainda há muito caminho a percorrer, muito trabalho a fazer, muitas dificuldades a vencer, na certeza de que, como em tantos outros empreendimentos, os vimaranenses saberão dar boa conta do recado.
António Amaro das Neves

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