Sempre?

No dia em que se celebram os 36 anos do 25 de Abril, vale a pena parar para pensar. Guimarães teve uma tradição de grandes lutadores anti-fascistas, mas de repente parece que essa memória se esvaiu.
A cidade inaugurou com pompa um monumento aos soldados que fizeram a guerra do fasciscmo, mas não tem um marco que assinale a Revolução Democrática. Sobra um largo da cidade, que a maioria das pessoas desconhece chamar-se 25 de Abril. E até a Alameda, que foi da Resistência, hoje tem nome de santo.
Mas como disse, parei para pensar. E lembrei-me que as paredes pintadas na madrguada anterior a cada comemoração da Revolução há muito passaram a ser só memória. E lembrei-me que a cidade mantém uma estátua a um ditador e um largo com o seu nome.
É coincidência? Não, é a ideologia.
A (magnífica) ilustração é de Paula Saavedra e é capa do Povo de Guimarães desta semana.

12 reacções:

Tiago Laranjeiro | 17:48

A toponímia (como a arquitectura e as obras públicas) sempre foi usada para dar força ao regime político vigente. Em Guimarães não é diferente, pese embora a relevância que damos ao nosso passado e a resistência que mostramos à mudança toponímica. Daí o Largo João Franco com a respectiva estátua (hoje bem mais escondida do que dantes). Não são todas as cidades que se podem orgulhar de ter entre os seus antepassados um Papa. Guimarães, segundo a tradição, teve S. Dâmaso. Nada mais natural do que nomear a alameda segundo a rua sobre cujos escombros surgiu.

Nota: é curioso que se chame ditador ao primeiro-ministro que mais tempo governou com um parlamento (eleito de forma livre, segundo concepções da época) em funcionamento da fase final da monarquia. Se este é ditador, o que seriam os que o antecederam...

SicGloriaTransitMundi | 20:24

Será que somos todos verdadeiramente livres?

António Amaro das Neves | 21:51

Meu caro Tiago,
Em Guimarães, João Franco tem uma estátua, não por ter sido ditador (que o foi, porque governou em ditadura – como então se dizia, quis governar à inglesa, mas acabou a governar à turca), mas por ter sido deputado eleito por Guimarães, tendo aqui ganho grande simpatia, até, pasme-se, entre os republicanos. Foi aquele que terá sido o mais persistente e coerente republicano vimaranense, Eduardo de Almeida que, na inauguração do monumento a João Franco proclamou que “Em Guimarães, somos todos franquistas”.

Esta seria uma conversa interessante, mas confesso que não é isso que me leva a deixar aqui um comentário.

O que me chamou a atenção foi a sua afirmação de que João Franco teria sido o “primeiro-ministro que mais tempo governou com um parlamento”. Só na fase final da monarquia, no período do chamado rotativismo, sou capaz de lhe indicar duas mãos cheias de chefes de governo que governaram mais tempo, alguns muito mais tempo, do que João Franco, que, se me não falham as contas, presidiu ao Conselho de Ministros durante 627 dias (de 19 de Maio de 1906 a 4 de Maio de 1908).

Rui Silva | 22:15

Há, sem dúvida, uma certa resistência à mudança. Numa cidade que vive muito do passado longínquo como a nossa, isso ainda é mais notório. Aliás, ainda hoje damos os nomes originais a ruas que já foram rebaptizadas, como por exemplo a Feira do Pão ou o Campo da Feira.

Mas parece-me que sim, seria muito importante, principalmente do ponto de vista simbólico, marcar um dos acontecimentos mais importantes da nossa história recente com uma espécie de monumento (mais do que rua ou largo) em Guimarães. Ao contrário do miolo da Europa que passou a vida em mudanças no século passado, nós basicamente tivemos a República em 1910, o Eusébio em 66 e o 25 de Abril. Afinal, é também para isso que servem as cidades, para registar a história colectiva.

Tiago: O João Franco foi, efectivamente, um ditador. Depois de ser eleito e lhe ter sido retirado o apoio pelos progressistas, implementou uma ditadura com o apoio de D. Carlos. Dizem até que poderá ter começado aí o fim da nossa monarquia. Pelo menos é isso que leio nos livros de história.

PS: E, aproveitando o comentário do Amaro das Neves, parece que houve uma disputa entre Guimarães e Braga e João Franco teve um desempenho brilhante no parlamento na defesa dos de Guimarães, daí o apreço dos vimaranenses para com ele. Foi assim, caro Amaro?

António Amaro das Neves | 23:25

Efectivamente, foi exactamente aí, no conflito brácaro-vimaranense de 1885-86, que João Franco, até então desconhecido em Guimarães (onde nunca tinha posto os pés) "caiu no goto" das gentes de Guimarães.

NFC | 04:18

Muito mais importante do que toponímia, símbolos e marcos é a transmissão do que muitos viveram e que - deliberadamente em meu entender - nunca foi devidamente abordado, explicado, ensinado. Não o foi na altura em que estudei no Liceu de Guimarães, nem tão pouco no meio académico subsequente. Muito menos o é actualmente. E isso é que é inadmissível. As jóias podem ser penhoradas, vendidas, roubadas...irremediavelmente, mas os dedos das mãos têm que permanecer para que através da pena perpetuemos a memória e saibamos sempre, sempre, explicar aos nossos filhos e estes aos deles o que foi o 25 de Abril de 1974. A minha resposta é categoricamente...SEMPRE!
p.s.: A ilustração é, de facto belíssima, mas (perdoe-me a autora) é incomparavelmente mais bela a original. Quanto ao que se disse sobre João Franco e sobre o Papa há muita gente que devia opinar menos e estudar mais, sobretudo porque uma das piores características humanas em Portugal é este "atrevimento" bacoco que,apesar de tudo, foi o 25de Abril que permitiu. Concluíndo: deixem-se lá de símbolos, estátuas e nomes de ruas e vielas (tantas existem nesse país fora que são horríveis e que ninguém identifica) e conceda-se sabedoria, valorize-se a escola, reciclem-se a generalidade dos maus professores e dos maus programas da escola em Portugal!

Tiago Laranjeiro | 05:22

Meus caros António Amaro das Neves e Rui Silva,

Acompanhei com grande interesse a série de artigos de A.A.N. sobre a questão brácaro-vimaranense. João Franco desempenhou um papel muito importante na defesa dos interesses de Guimarães. Foi também este o círculo eleitoral por que foi eleito - e que mais tarde elegeria António de Oliveira Salazar.

Quanto à duração do seu governo, o que está em causa não é ter sido ou não o mais longo. Disse o próprio Rui Ramos em "João Franco e o Fracasso do Reformismo Liberal", que "nos vinte anos desde 1888, Franco foi o chefe de governo que mais tempo teve o parlamento aberto" (p. 145).

Francisco Brito | 10:27

A "ditadura" de João Franco (que marcou eleições, se a memória não me falha meses, antes do regicídio...) foi bem mais leve que a "ditadura" que se vai comemorar no próximo 5 de Outubro...

António Amaro das Neves | 13:01

Aqui onde estou, não tenho à mão o texto de Rui Ramos que cita, para perceber o que quis dizer. O que posso adiantar é que outros chefes de governo governaram com o parlamento aberto mais tempo do que o de João Franco. Basta passar os olhos pelo "Diário das Cortes dos Senhores Deputados", para verificar que, enquanto João Franco governou, foram publicados 108 números, enquanto que, por exemplo, com José Luciano à frente do governo foram publicados 758 exemplares do mesmo Diário. Noto que cada número desta publicação correspondia, por regra, a mais do que um dia de parlamento aberto.

Mas não foi por isso que o governo de João Franco foi uma ditadura...

António Amaro das Neves | 13:03

Rectificação: por precisão, devo dizer que, aí acima, onde se lê 758, se deve ler 752.

António Amaro das Neves | 14:44

Rectificação 2 (é o que dá escrever a correr...): não havia nenhum "Diário das Cortes dos Senhores Deputados". mas sim um "Diário da Câmara dos Senhores Deputados".

Anónimo | 22:07

Aqui estamos, malta: www.ohguimaraes.blogspot.com