State of play II

O Samuel sugeria aqui a importância das medidas tomadas pelo Governo Português nesta crise para o resultado que ontem foi anunciado, de um crescimento de 0,3% da economia portuguesa o segundo semestre de 2009 face ao primeiro trimestre do ano. Este quase regozijo (ou regozijo mesmo) com o "feito" compara-o com o "deprimente" resultado de Espanha ou da Irlanda.

Pois bem, eu digo que preferia estar na posição da Irlanda. Reparemos nos últimos dados disponíveis da Irlanda face a Portugal. No Índice de Desenvolvimento Humano, a Irlanda conseguiu em 2008 (ano em que a crise "bateu") a 5ª posição a nível mundial. Portugal ficou em 29º. Mas falando de índices mais concretos: o PIB per capita em paridade de poderes de compra da Irlanda ficou nesse mesmo ano em 138,5, isto é, 38,5 pontos percentuais acima da média europeia. Portugal contenta-se com uns míseros 75,3, 75,3% da média europeia. Estes são índices que podemos ter em conta quando comparamos o nível de vida entre países. Portanto, na Irlanda ainda se está melhor que por cá.

Mas, segundo muitos, estamos de parabéns...

5 reacções:

Samuel Silva | 10:53

Acho extraordinária a visão "liberal" das coisas. Se corre mal, foram os governos, se corre bem, foi o mercado.

Ora se Portugal é dos primeiros países europeus a demonstrar melhorias na crise mais grave das nossas vidas, algum motivo haverá. Não é fruto do acaso, com toda a certeza.

Noto particularmente que, em lugar de discutires a questão (o crescimento é de 0,3% e pouco ou nada disseste sobre esse facto), fugiste em frente e foste buscar os números que melhor te convêm.

Compreendo: esta foi uma semana difícil para o PSD. As listas à AR estão cheias de incongruências, MFL mostrou a sua face mais vingativa,
o PS tem um número que pode mostrar ao povo (seja ou não seu mérito, esse será um argumento durante a campanha).

Daí a fugires à questão vai uma grande diferença. Crescer, num momento de crise como este, é ou não positivo?

Parece-me óbvio dizer que é. Reforço: em França e na Alemanha o sinal é visto desta forma. Em Portugal há sempre alguém disposto a virar o bico ao prego.

O que eu perguntava é, se a explicação (ou boa parte dela) não está no governo e nas medidas tomadas, está onde? De quem é o mérito deste crescimento surpreendente em tempo de grave crise?

Obviamente há regozijo pelo facto de Portugal crescer contra a expectativa generalizada. Ao contrário do que é norma neste país, espero que haja bons resultados.

O que mo permite é que não olho para a política com clubite. Não fico deprimido por o bom resultado ter sido conseguido com governo do PS, como não ficaria se o governo fosse de outra cor.

O interesse da política é, de resto, esse mesmo. Não é esperar pelas próximas eleições a ver se as ganhamos.

Mais um facto que não vi comentado: A Irlanda e a Espanha não crescem neste momento. Há ou não diferenças entre a forma como a crise foi abordada nestes países, face a Portugal ou a França?

Mas falemos da Irlanda. Como sabes o IDH a que te referes, sendo o de 2008, não foi "medido" durante a crise. Os dados referem-se ao pré-crise, o que impede que se façam comparações.

O que eu pretendia ver discutido eram os mecanismos de combate à crise, e o que tu apresentas são resultados estruturais. São duas discussões distintas, por muito que as queiras equivaler.

A Irlanda está mais avançada que Portugal. É um facto. E é um facto estrutural, que entronca em 20 anos de políticas erradas em Portugal, enquanto que na Irlanda se faziam apostas certas.

Podes começar por perguntar à líder do PSD que fez parte de dois desses governos que nos puseram num caminho de divergência face aos irlandeses. E em pastas que foram chave.

Tiago Laranjeiro | 15:27

Caro Samuel, não percebeste a razão dos dois artigos "State of Play". O meu objectivo não era discutir quem tem mérito ou demérito, quem tem culpa ou quem tem soluções. O que eu pretendia era mesmo falar do género de discussão vazia que se estava a criar à volta do assunto. A pretexto do anúncio desse crescimento - que, sendo positivo, é quase nulo - a discussão que se faz é a mesma, da crise, vazia de conteúdo.

Quanto a quem tem culpa, não me parece mesmo que alguma culpa da situação actual possa ser imputada a Manuela Ferreira Leite.

José Sócrates esforçou-se por, à sua maneira, tentar resolver a situação. A meu ver não conseguiu, e este resultado não se deve às suas boas políticas. Deve-se, isso sim, ao facto de a dita crise internacional apenas ter afectado Portugal indirectamente. O nosso país atravessa, desde o início da década, uma outra crise estrutural, que se deixou de discutir este ano.

A meu ver, o problema continua o mesmo que em 2005 e que em 2002: uma estrutura orçamental altamente deficitária, uma Administração Pública pesada e ineficaz, que se reflecte no Estado tentacular que tenta tocar em tudo e que nada faz com eficácia.

Neste segundo artigo apenas tentava desmistificar essa ideia que muitos têm de apontar Irlanda como exemplo de uma bolha que inchou, explodiu e agora está pior que nós. Não me parece que seja verdade. E, já agora, o segundo semestre de 2008 foi praticamente tão negativo como o primeiro de 2009.

Samuel Silva | 15:38

O que eu reparei foi que, numa altura em que tema do momento tendo a beneficiar o partido do governo, tu deslocas a discussão para o conteúdo técnico da mesma (ou a ausência dele).

Há aqui duas questões. A crise internacional não tem razões internas, obviamente. A forma como foi combatida, sim. Os resultados mostram que foi bem combatida, a menos que me mostrem o contrário. (O que, nos vários dias de discussão que o tema já leva ainda ninguém conseguiu).

Depois há uma crise interna e claramente estrutural. E aqui, PS, PSD e PP são os únicos partidos que podem ter culpa.

O que o PSD não pode fazer é fugir às responsabilidades. MFL foi ministra até há 5 anos (e isso em Economia é pouco tempo, se bem me lembro).

Teve a seu cargo a pasta mais estrutural em matéria de economia. E a crise que vivemos não começou no dia da vitória de Sócrates. Começa antes e as suas causas não foram combatidas por vários governos.

Tiago Laranjeiro | 21:05

Samuel, como eu disse também, a crise de facto não é culpa de Sócrates. Penso que nunca afirmei isso. Sócrates é que, a meu ver, não a solucionou nem ajudou a fazê-lo. Como eu também disse, penso que este resultado deve-se mais ao facto de Portugal apenas indirectamente ter sido afectado pela tal crise "que veio de fora" e que se juntou à que nós já vivíamos.

Não sei quando levei o debate para o nível técnico, a análise que fiz foi dos dados que estavam à mostra, dos resultados (0,3% de crescimento face ao primeiro trimestre). Isto não é debater o que nos leva a este valor porque, sobre isso, também eu afirmei que não me podia pronunciar com segurança.

PS, PSD e CDS têm culpa na crise, claro. Não a conseguiram resolver. Mas a quota-parte de cada um parece-me que é bastante diferente, senão vejamos o tempo de governação... Sobre a prestação de Manuela Ferreira Leite nos dois anos que esteve à frente do Ministério das Finanças, o melhor será analisares os constrangimentos e as obrigações da Comissão Europeia que enfrentou...

Hugo Monteiro | 00:05

"O que eu perguntava é, se a explicação (ou boa parte dela) não está no governo e nas medidas tomadas, está onde? De quem é o mérito deste crescimento surpreendente em tempo de grave crise?"

O acaso? É um factor importantíssimo em ciência quando não se podem ponderar todas as variáveis. Nenhum pacote de estímulos pode ter efeito em 3 meses, quanto mais em meia dúzia de semanas. Ou, como alguns analistas apontam, isto pode ser apenas uma mistura de incremento de actividade financeira sazonal (turistas, emigrantes e afins) com as subidas dos vencimentos da função pública. Nesse caso, vamos voltar a terreno negativo no próximo trimestre. Francamente, prefiro estar errado.