Sobre a data das Eleições

Até ao final do mês de Julho estarão marcadas as duas últimas eleições deste ano. As legislativas e autárquicas são as datas que faltam num ano a 3 actos, em que o primeiro, Europeu, já lá vai.

E de um momento para o outro surgiu um certo consenso social à volta da hipótese das duas terem lugar no mesmo dia. Em nome da poupança de uns trocos (que não são assim tão poucos) pelo menos em termos de pessoas por mesa de voto, sendo que em matéria de papel será uma falsa questão porque as actas e etc, terão sempre que ser lançadas para actos eleitorais distintos logo, em quadruplicados (assembleias de freguesia, assembleias municipais, câmaras municipais e assembleia da republica).

O próprio Presidente da Republica não rejeita a hipótese, sendo que a sua decisão tem um prazo limite mais alargado, logo a decisão final de fazer coincidir os actos eleitorais sairá da sua cabeça. Até dia 23 de Julho, Sócrates marcará a data em que se conhecem os novos nomes das gestões locais do poder e Cavaco tem mais duas semanas para tomar a sua decisão sobre a data em que se encontra o sucessor de Sócrates (que até pode ser o próprio Primeiro Ministro).

Da minha parte, gostaria de frisar que podemos estar a incorrer num problema gravíssimo de democracia. Antes de mais, porque vamos dar num mesmo dia 4 boletins para as mãos das pessoas. Cada um com uma disposição diferente dos partidos. Se isto já é grave para as Autárquicas, juntando-lhe ainda mais um boletim podemos estar a desvirtuar por completo os resultados eleitorais. E com isto, cometer erros com que teremos que viver por mais 4 anos.

Para além do acto em si, teremos ainda o período de campanha, em que daremos asas, oficialmente, a que esta se faça de forma deturpada, discutindo ao nível das juntas e das câmaras problemas nacionais e vice-versa. Não que a oposição de Sócrates não tenha já feito isso no período de campanha das Europeias, mas desta vez o atentado à democracia ia ser incontornável. Muito provavelmente questões essenciais iam ser deixadas de parte, e a decisão de uma presidente de Câmara ia depender de reformas de Administração Publica e Avaliação de Professores, ou a escolha de um presidente de Junta feita como agradecimento do projecto Magalhães.

Por bem da democracia, gastem-se uns trocos!

11 reacções:

Samuel Silva | 15:56

Pelas minhas contas, que devem pecar por defeito, cada eleição custa 7,7 milhões apenas para pagar aos colaboradores das secções de voto. Mais o papel, a publicidade, as despesas de transporte, etc, fica mesmo muito caro.

Mas é inconcebível que se olhe para a democracia com uma perspectiva puramente economicista. Seria gravíssimo deturparmos uma das bases do nosso sistema democrático, o governo autárquico, contaminando a discussão com os temas nacionais.

Nem é tanto a questão de confundir as pessoas, porque eu confio na capacidade de discernimento dos portugueses. O essencial seria que as discussões locais praticamente não existiriam na Comunicação Social e noutros fóruns de discussão, levando a que os problemas dos municípios ficassem por debater.

Tiago Laranjeiro | 19:39

Caro Paulo,
Onde vês consenso na questão da sobreposição das datas dos actos eleitorais? As datas de que tenho ouvido falar é a de 11 de Outubro para as autárquicas e 20 ou 27 de Setembro para legislativas...

Samuel,
És capaz de me explicar o que quer dizer economicista? Fui procurar nos dicionários que tenho cá em casa e não aparece em nenhum, bem como em nenhum dicionário online que consultei...

;)

Paulo Lopes Silva | 19:44

Até há bem pouco tempo a possibilidade de ser no mesmo dia não se colocava. De um momento para o outro até os responsáveis não põe de parte essa hipotese. E muita opinião pública e principalmente ecos das vozes populares apoiam a ideia em nome de uns trocos.

Paulo Lopes Silva | 19:52

Já agora Tiago,

economicista [ikónumi'siStá]] adj. 2 gén. 1 relativo ao economicismo; 2 ECONOMIA que sobrevaloriza os aspectos económicos (De económico+-ista)

Grande Dicionário da Lingua Portuguesa, Porto Editora.


Samuel,
De facto, como digo, não são bem uns trocos. Mas não podemos de todo tratar o Estado e as suas questões descurando a parte da discussão democrática em nome de valores economicos que esquecemos em tantos outros desperdícios!

Dario Silva | 22:50

"eu confio na capacidade de discernimento dos portugueses."

Pois eu não confio na capacidade de separação das águas. Nada mesmo.
E as vozes do sistema também não, razão pela qual - se calhar inadvertidamente - se associa o sucesso ou insucesso de eleições europeias a eleições legislativas ou autárquicas que estão para breve.

Na verdade, eu pensava que nas eleições europeias se concedia um voto de confiança a um grupo relativamente pequeno de pessoas (os candidatos) que, por serem poucos, conseguem todos fazer sentir a sua ideia de Portugal e Europa.
E eu pensava que numa eleição legislativa se votava num grupo muito alargado (partidos).
E eu pensava que numa eleição autárquica se votava especificamente num grupo pequeno de pessoas, existindo mesmo um sub-grupo pequeno onde figuram os nossos vizinhos! Portanto, neste último caso, a escolha seria estritamente "pessoal", uma escolha de pessoas.

Isto porque eu sou muito naif e ainda percebi em que é qualquer "ideologia" de esquerda ou de direita ou de cima ou de baixo tem a ver com a orientação ideológica que deve levar à resolução dos problemas de águas e saneamento da minha rua.
Eu pensava que estes problemas seriam resolvidos localmente e sem uma divina providência ministerial lisboeta...

Mundo confuso.

Paulo Lopes Silva | 23:11

Excelente comentário Dario Silva. Subscrevo quase por completo. Discordamos no ponto em que penso que os Partidos podem fazer sentido mesmo ao nível local, sendo que as ideologias também podem fazer diferença na hora de dar prioridade ao seu saneamento, ou ao apoio social do seu vizinho do lado, em detrimento de outras opções como prioridade.

Tiago Laranjeiro | 00:15

Isto de se julgar o apoio social e a defesa da justiça social como monopólio da esquerda mete-me muita confusão... Esquecemo-nos dos pais do Estado Providência de modelo europeu, construído em grande parte por partidos democratas-cristãos, considerados de centro-direita...

A ideologia faz sentido em qualquer parte, pois à partida guia as nossas acções e opiniões, independentemente do nível em que se esteja.

Paulo, de facto não vi nesse dicionário, pois nem o tenho aqui. De qualquer forma parece-me que hoje se faz um uso abusivo da expressão...

Samuel Silva | 02:39

Tiago,

como o Paulo mostrou a palavra já foi reconhecida. Há várias referências online e é uma expressão em uso corrente. Posso correr o risco de a utilizar mal ou abusivamente, mas se a Porto Editora canonizou a dita, sinto-me à vontade :)

Tiago Laranjeiro | 09:39

Eu compreendi, Samuel. A palavra é utilizada com sentido pejorativo para caracterizar alguém ou algo que encara determinada situação com o intuito de gastar o menos possível, aliás, menos do que o desejável e aconselhável. Só que acho-a um agravo a quem trabalha na área da economia, porque normalmente é utilizada para diminuir o seu trabalho.

Sílvia | 11:01

Tiago,
Se olhares bem para a história europeia e mesmo mundial consegues compreender porque é que o Estado Providência surgiu. Portanto, afirmo que, se tivéssemos que esperar pela boa fé dos democratas-cristãos, não sairíamos da cepa torta! Mas, como a história é escrita pelos vencedores, torna-se um pouco complicado entender a dialéctica, atendendo a outro ponto de vista que não o dominante.

Quanto às eleições, acho que se devem gastar mais uns “trocos”! As lógicas de votação são diferentes nas autárquicas e nas legislativas e para que não haja monopólio de umas sobre as outras e de confusão por parte dos eleitores sobre em quem votar (partido, pessoa?), faz sentido que se faça esse esforço. Indo de encontro ao que afirma o Dario, também eu não confio na capacidade de muitos portugueses na escolha do seu voto. Basta olhar para as zonas mais rurais, em que os níveis de escolaridade e formação cívica são mais baixos e algumas dúvidas persistem e alguns atropelos por vezes se dão. Para exemplificar, nas eleições europeias, numa aldeia de Celorico de Basto, alguns habitantes queriam proibir uma pessoa do acto de votar. Porquê? Porque a pessoa em questão queria votar no partido da oposição da junta de freguesia e os habitantes entendiam que isso era uma afronta ao actual presidente que querem ver reeleito nas próximas eleições. Assustador!?

Tiago Laranjeiro | 18:45

Bi, quanto ao Estado Providência, em particular o modelo que se desenvolveu após o final da II Guerra Mundial, claro que não foi criação exclusiva dos democrata-cristãos. Estes, quando muito, terão ajudado a construí-lo e implementá-lo. Trata-se de um modelo desenhado por pessoas com ideias muito diferentes, uns socialistas, outros social-democratas, outros de tão difícil classificação que são eles próprios uma categoria à parte (caso de Keynes).

Apenas digo que os partidos democratas-cristãos têm responsabilidades na construção deste modelo, uma vez que o implementaram ou contribuíram para que tal se fizesse em vários países em que eram Governo.

Agora uma pequena provocação, sobre "se tivéssemos que esperar pela boa fé dos democratas-cristãos". Parafraseando Smith, não é da boa vontade do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que podemos esperar o nosso jantar, mas da consideração que têm pelo seu próprio interesse pessoal...